Texto adaptado da análise do BofA ML
“Há décadas em que nada acontece; e há semanas em que décadas acontecem.” – Vladimir Lenin
Joseph P. Quinlan (Diretor-Geral e Chefe de Estratégia de Mercado do CIO) e Ariana Chiu (Analista de Gestão de Patrimônio) do BofA ML analisam o cenário atual.
A vida nos mercados financeiros tem sido agitada ultimamente. Em apenas cinco anos, a economia global enfrentou uma pandemia, uma guerra na Europa e agora uma guerra comercial mundial, desencadeada pelo aumento de impostos sobre produtos importados pelos Estados Unidos – o maior desde 1909. Essa medida, na prática, bagunça as regras do comércio internacional que existiam desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Como era de se esperar, cada um desses eventos “que só acontecem uma vez a cada cem anos” causou grandes quedas nas bolsas de valores. Para ilustrar:
- Pandemia de 2020: O índice S&P 500, que representa as maiores empresas americanas, caiu cerca de 34% entre o pico de 19 de fevereiro de 2020 (3.386 pontos) e a mínima de 23 de março de 2020 (2.237 pontos).
- Invasão da Ucrânia pela Rússia: No dia da invasão, o S&P 500 teve uma queda de 1,8%. A queda total desde o recorde de janeiro de 2022 até a mínima de mercado de baixa em outubro de 2022 foi de aproximadamente 25% (de 4.797 para 3.577 pontos).
- Guerra Comercial de 2025: Nos dois dias seguintes ao anúncio das novas tarifas americanas, o índice Dow Jones (que reúne 30 grandes empresas industriais) caiu 9,3%, o S&P 500 perdeu 10,5% e o índice Nasdaq (focado em tecnologia) despencou quase 12%, entrando oficialmente no chamado “mercado de baixa” (queda de 20% ou mais). O Dow Jones também entrou em território de “correção” (queda de 10% desde o seu ponto mais alto), e o S&P 500 estava perto de seguir o Nasdaq, com uma queda de cerca de 17% desde o pico de 19 de fevereiro de 2025 (6.144 pontos).
“Desta vez é diferente”? Uma olhada no passado
Diante dessas quedas, é comum ouvirmos comentários como “desta vez é diferente”, “nunca vimos nada assim” ou “não há um manual de instruções”. De fato, uma grande mudança nas regras do comércio global é algo novo.
No entanto, a sensação de incerteza e pessimismo não é inédita. Se voltarmos um pouco no tempo, podemos lembrar de outras situações que geraram apreensão semelhante:
- Pandemia de COVID-19: Houve alertas de que a pandemia poderia matar mais pessoas que a Gripe Espanhola de 1918 (estimada em 50 milhões de mortes). Alguns especialistas previram uma Grande Depressão, com desemprego de 30%, falta de comida e violência. Acreditava-se que a vacina poderia levar de 4 a 10 anos para ser desenvolvida, o que significaria lockdowns prolongados.
- Guerra na Ucrânia: Temia-se um confronto direto entre a Rússia e a OTAN, levando à Terceira Guerra Mundial. Uma recessão global parecia inevitável devido à interrupção no fornecimento de energia e no comércio, com previsões de que o petróleo poderia chegar a 150 dólares o barril. Havia até o receio do uso de armas nucleares. (É importante lembrar que a guerra na Ucrânia ainda não acabou e cenários negativos ainda podem se concretizar).
A lição para investidores: calma e persistência
A principal lição para os investidores é que eventos “raros” tendem a gerar previsões muito pessimistas porque são realmente “desconhecidos desconhecidos”. São situações sem paralelo, extraordinárias e inesperadas, que causam grande estresse e preocupação nos mercados, levando a grandes vendas de ações. A reação inicial dos investidores é muitas vezes de cautela e busca por segurança.
No entanto, o que a história nos mostra é um padrão: após o choque inicial, geralmente ocorre uma recuperação robusta nas bolsas americanas. Os preços dos ativos se ajustam e famílias, empresas e países se reorganizam. Essas recuperações podem ser irregulares e dolorosas, mas a tendência geral do mercado é de alta no longo prazo.
As consequências financeiras catastróficas previstas para a pandemia não se concretizaram devido à forte resposta dos governos (com injeção de dinheiro na economia), à capacidade de adaptação das empresas americanas e à rapidez com que a vacina foi desenvolvida. A invasão da Ucrânia encontrou a firmeza dos países da OTAN em apoiar a Ucrânia, a rápida mudança da Europa para fontes de energia americanas e, principalmente, a resistência e o sucesso da Ucrânia em enfrentar um inimigo maior e mais bem armado.
E o choque comercial de 2025? Como ele se desenrolará em meio à incerteza atual? Algumas perguntas importantes precisam de respostas:
- Quanto espaço há para os países negociarem tarifas menores com os EUA, evitando mais danos à economia global?
- A China reagiu fortemente às tarifas americanas. Outros países, como a União Europeia, farão o mesmo, aumentando as preocupações nos mercados?
- As tensões entre EUA e China vão aumentar ou diminuir nas próximas semanas?
- Apesar da turbulência, a economia americana deve evitar a recessão? Essa perspectiva depende muito do comportamento dos consumidores de alta renda, que representam metade do consumo total dos EUA. Diante da queda nas bolsas, eles continuarão gastando ou vão reduzir seus gastos?
Ninguém tem certeza das respostas para essas perguntas. Mas um dado importante é que, desde 1950, houve 56 quedas de mercado de 10% ou mais. E, 12 meses após essas quedas, as ações estavam mais altas em 49 vezes – ou seja, em 87,5% das vezes (dados da Bloomberg). Em outras palavras, em tempos de turbulência, manter a calma e permanecer investido geralmente trouxe resultados positivos para os investidores.
Um novo cenário global e a importância da estratégia
Estamos, sem dúvida, entrando em uma nova era de investimentos, marcada por eventos que raramente vimos no passado: pandemias, guerras, isolacionismo americano, a ascensão da China, a rivalidade entre EUA e China, mudanças climáticas, os efeitos transformadores da inteligência artificial e a disputa por recursos no Ártico e no espaço. Eventos macroeconômicos “raros” podem se tornar mais comuns à medida que a ordem mundial pós-1945 se transforma.
Nesse contexto, a forma como construímos nossos portfólios de investimento se torna ainda mais crucial. A estratégia deve incluir:
- Priorizar a qualidade: Buscar investimentos de alta qualidade em todas as classes de ativos.
- Foco em dividendos e renda: Investir em empresas que pagam bons dividendos e geram renda estável.
- Gestão ativa: Dar preferência a fundos e gestores que buscam ativamente as melhores oportunidades, em vez de apenas seguir índices de mercado.
- Setores estratégicos: Considerar investimentos em áreas como defesa/segurança cibernética, commodities (matérias-primas) e setores que se beneficiam da inflação.
- Tecnologia e inovação: Manter investimentos em empresas líderes em tecnologia e inovação.
- Preferência por ações americanas: Continuar vendo as ações dos EUA como uma opção mais atraente em comparação com outros mercados globais.
- Cautela com mercados emergentes e Europa: Manter uma postura neutra em relação a mercados emergentes devido à incerteza no sistema de comércio global e também em relação à Europa, por motivos detalhados em outra análise.
Em resumo, em tempos de incerteza, a história nos ensina que a calma e a disciplina nos investimentos tendem a ser recompensadoras no longo prazo. Adaptar as estratégias para o novo cenário global é fundamental para proteger e fazer crescer o patrimônio.