Trégua na guerra comercial é a calma antes da tempestade

Fato de UE e Canadá não estarem em negociações acende sinal amarelo

Em um cenário global de tensões comerciais crescentes, a decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de conceder uma suspensão de 90 dias para as tarifas trouxe um respiro momentâneo aos mercados. No entanto, especialistas alertam que a cautela ainda é a palavra de ordem.

Carsten Brzeski, chefe global de Macro do ING, analisa a complexa situação. Trump anunciou uma taxa tarifária “universal” de 10% para todos os países, exceto a China, durante esse período. A China, que já havia imposto tarifas de 84% sobre produtos americanos, agora enfrentará uma tarifa de 125%.

Apesar da aparente euforia inicial nos mercados, Brzeski questiona a celebração precoce. Ele compara a situação a “celebrar uma grande festa quando seu time de futebol favorito acaba de ganhar de San Marino”. Para o analista, o fato de importantes parceiros comerciais dos EUA, como a União Europeia (UE) e o próprio Canadá, não estarem em negociações diretas levanta sérias dúvidas sobre a sustentabilidade dessa “vitória”.

A UE, que havia concordado em impor medidas retaliatórias sobre importações americanas, provavelmente suspenderá essas ações diante da pausa anunciada pelos EUA. Embora isso possa trazer alívio de curto prazo para exportadores europeus, Brzeski adverte que o dano à confiança já foi causado.

Outro ponto crucial levantado por James Knightley, também do ING, é a significativa parcela das importações americanas provenientes da China ou de países asiáticos que dependem da cadeia de produção chinesa. As tarifas anunciadas sobre produtos chineses poderiam gerar uma receita tarifária massiva, estimada em US$ 835 bilhões. No entanto, essa receita dependerá da continuidade das exportações chinesas, algo que empresas europeias já sinalizaram que poderia ser interrompido.

“Em toda honestidade, a situação atual não é apenas caótica, é louca”, afirma Brzeski. O ING inclusive adiou a publicação de sua atualização mensal de previsões devido à extrema volatilidade do cenário. Para o analista, extrapolar tendências e eventos de curto prazo para o futuro se tornou uma estratégia arriscada.

Embora o anúncio de Trump tenha impulsionado as bolsas de valores, Brzeski lembra que situações semelhantes já ocorreram, com anúncios de pausas seguidos pela reintrodução das tarifas originais. “Como tal, a cautela permanece justificada – e lembre-se que o presidente Trump precisa de receita para financiar seus cortes de impostos prometidos. Seria uma surpresa se o anúncio de hoje fosse realmente o retorno do ‘bom senso'”, conclui.

Mercado de Títulos dos EUA Recebe a Pausa com Reserva

Padhraic Garvey, estrategista de taxas do ING, observa que o apetite por risco retornou após a notícia da pausa, com altas significativas nos mercados de ações (onde estavam abertos) e alguma compressão nos spreads de crédito. Essa reação inicial faz sentido, baseada na teoria de que a sensação geral de ansiedade diminuiu.

No entanto, as taxas de mercado não demonstraram o mesmo entusiasmo, o que, segundo Garvey, serve como um lembrete de que a apreensão ainda é considerável. Isso também é compreensível, já que a “muralha tarifária” permanece, apenas com algumas reduções temporárias de 90 dias.

As taxas de curto prazo dos títulos americanos (Treasuries) subiram inicialmente, mas recuaram parcialmente. Já o rendimento do título de 10 anos mostrou uma reação ainda menor, permanecendo na faixa dos 4,4%. Para Garvey, o mercado de títulos essencialmente sinaliza que a pausa é relevante, mas que, ao mesmo tempo, pouca coisa mudou fundamentalmente. Uma mudança mais significativa dependerá da permanência dessa trégua de 90 dias. Até então, o mercado de títulos dos EUA sai dessa primeira investida tarifária com sua reputação um pouco “manchada”.

Trump Vira o Mercado Cambial de Cabeça

Chris Turner, chefe global de estratégia de câmbio do ING, destaca como a decisão de Trump reverteu rapidamente as expectativas sobre o impacto de uma guerra comercial no mercado de câmbio global. Em resposta ao anúncio da pausa de 90 dias, o iene japonês e o franco suíço, considerados ativos de refúgio, foram fortemente vendidos, enquanto moedas de mercados emergentes e ligadas a commodities, que estavam sob pressão, se recuperaram. A relativa estabilidade no mercado de Treasuries também contribuiu para essa rotação.

No entanto, a durabilidade dessa pausa ainda é incerta, e o futuro das moedas de commodities e de mercados emergentes dependerá em grande parte do desenrolar da situação com a China. Turner descreve a relação entre EUA e China como um “jogo de poder de alto risco”. Até que um acordo seja anunciado ou uma reunião bilateral de alto nível seja confirmada, o par cambial USD/CNY (dólar americano/yuan chinês) será o foco principal do mercado de câmbio.

Embora essa pausa possa trazer um alívio temporário para um mercado cambial que sofre com alta volatilidade e sinais de tensão na liquidez, Turner ressalta que tentar adivinhar o próximo movimento do presidente tem sido um processo doloroso para muitos. Em última análise, ele acredita que Trump conseguirá seu objetivo de um dólar mais fraco, embora essa seja uma história para o final deste ano e para 2026.

Em suma, a trégua na guerra comercial traz um suspiro de alívio, mas analistas alertam que a incerteza e a volatilidade permanecem elevadas. A cautela é fundamental para investidores e empresas, enquanto o mundo aguarda os próximos capítulos dessa complexa saga global.

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