Decifrando o futuro: como o Banco da Inglaterra utiliza IA para decisões

Discussão entre a capacidade analítica da máquina e o indispensável julgamento humano

Em um diálogo perspicaz entre líderes do setor financeiro, Eloise Goulder, chefe do Grupo de Ativos de Dados e Alpha do J.P. Morgan, e James Benford, diretor de dados do Banco da Inglaterra (BoE), mergulham no vasto potencial da inteligência artificial (IA) e dos dados para revolucionar a tomada de decisões tanto no coração do BoE quanto em todo o espectro da indústria financeira.

A conversa, adaptada de um episódio de podcast, explora as implicações da IA generativa na eficiência e estabilidade dos mercados, a intrincada relação entre a capacidade analítica da máquina e o indispensável julgamento humano, e as considerações éticas cruciais que moldarão o futuro dos serviços financeiros.

A mente coletiva da IA: consenso e o papel crítico do julgamento humano

James Benford inicia a discussão com uma analogia poderosa: a IA como uma “mente coletiva definitiva”, capaz de agregar diversas fontes de informação para formar um consenso. No entanto, ele ressalta um ponto crucial: o forte incentivo financeiro para identificar quando esse consenso está equivocado.

Essa dinâmica sublinha a crença de Benford na coexistência essencial entre a IA e o julgamento humano. Para ele, sempre haverá um papel fundamental para a capacidade humana de questionar, aplicar discernimento e determinar quando a IA pode levar a conclusões errôneas.

Por dentro da estratégia de dados do Banco da Inglaterra com James Benford

Eloise Goulder introduz James Benford, o diretor de dados do Banco da Inglaterra, para uma conversa aprofundada sobre como o banco central britânico está explorando o vasto universo de dados e o poder transformador da inteligência artificial. Benford compartilha sua trajetória, que o levou de economista a liderar a estratégia de dados do BoE, com o objetivo de impulsionar uma significativa evolução nas capacidades analíticas da instituição.

Da coleta à análise: a engrenagem de dados que impulsiona a estabilidade financeira do Reino Unido

Benford detalha o escopo de sua equipe, composta por cerca de 200 profissionais dedicados à coleta, curadoria e análise de uma quantidade impressionante de dados. O BoE mantém cerca de 30.000 séries estatísticas publicadas, provenientes principalmente do sistema bancário, além de gerenciar a SONIA, uma taxa de juros de referência crucial. Adicionalmente, o banco lida com um volume ainda maior de dados regulatórios.

A responsabilidade de Benford abrange a estratégia de dados global do BoE, a operação de suas plataformas de dados, a jornada para a computação em nuvem e a liderança do Centro de Excelência para Análise Avançada e Ciência de Dados, com foco especial em IA e suas aplicações generativas.

A revisão Bernanke e a evolução da análise de dados no BoE

A conversa aborda a recente revisão Bernanke, que examinou como o Banco da Inglaterra pode integrar novos dados e pesquisas em seu processo decisório. Benford explica que seu trabalho é fundamental para as recomendações da revisão, destacando um programa em andamento para estabelecer uma nova plataforma de dados para os economistas do banco.

Essa plataforma visa otimizar o acesso aos dados necessários e aprimorar a eficiência e a sustentabilidade da execução dos modelos econômicos do BoE.

Um painel de controle do século XIX: lições históricas da tomada de decisão baseada em dados

Benford compartilha uma fascinante anedota histórica de 1805, quando o BoE utilizava um mostrador conectado a um cata-vento no telhado para guiar suas decisões de política monetária. A direção do vento, indicando a chegada ou partida de navios mercantes, influenciava a oferta de moeda.

Benford compara esse sistema rudimentar a um “painel de controle em tempo real” e um “modelo da economia”, ilustrando como a tomada de decisão baseada em dados sempre esteve no cerne das operações do banco, mesmo que a tecnologia tenha evoluído drasticamente.

Superando o legado: desafios e oportunidades na modernização dos sistemas do BoE

Apesar da longa tradição do BoE em utilizar dados, Benford reconhece os desafios impostos por sistemas legados que podem não possuir a escalabilidade e a capacidade de compartilhamento de dados dos sistemas modernos. A substituição desses sistemas representa uma oportunidade crucial para otimizar processos, aumentar a eficiência e desbloquear novas funcionalidades.

Da estatística à IA Generativa: uma revolução analítica no Banco da Inglaterra?

A discussão avança para a evolução das técnicas analíticas, desde a estatística e a econometria até o aprendizado de máquina supervisionado e a mais recente fronteira da IA generativa. Benford confirma que o BoE utiliza todas essas abordagens, com o aprendizado de máquina tendo aplicações estabelecidas há pelo menos uma década, desde a detecção de erros em dados até a previsão econômica e a quantificação de riscos.

Ele cita um exemplo notável de uma rede neural que estima a curva de Phillips, demonstrando a capacidade da IA de identificar mudanças em relações econômicas complexas de maneiras que as técnicas tradicionais podem ter dificuldade.

IA Generativa: uma força disruptiva com potencial para democratizar a análise

Ao abordar a IA generativa, Benford argumenta que, embora ainda seja uma forma de previsão, ela representa uma verdadeira revolução em três dimensões: o tamanho dos modelos, os tipos de dados com os quais podem trabalhar (texto, vídeo, som, em tempo real) e, crucialmente, sua acessibilidade a todos. A facilidade de uso de modelos de linguagem grandes como o ChatGPT contrasta fortemente com a aplicação anterior do aprendizado de máquina, que era restrita a especialistas altamente treinados. Essa democratização da IA generativa levou o Governador Andrew Bailey a descrevê-la como uma tecnologia de propósito geral com o potencial de causar uma revolução nas formas de trabalho, comparável a inovações históricas.

Eficiência, desafio ao pensamento e as complexidades da IA Generativa no BoE

Benford detalha como o BoE está explorando o potencial da IA generativa para atingir objetivos como ganhos de eficiência e produtividade, além de fomentar uma análise mais crítica e desafiadora das formas de pensar. A capacidade da IA de processar e acessar diversos tipos de informação pode ser valiosa para questionar conclusões estabelecidas.

No entanto, ele aponta uma dificuldade inerente à IA generativa: a opacidade em relação a como ela chega a suas respostas, o que dificulta a confiança total em suas conclusões como entradas diretas para decisões. Apesar disso, a IA generativa pode ser uma ferramenta poderosa para desafiar o raciocínio humano. O BoE está testando o Copilot em diversas áreas, com resultados promissores em termos de produtividade, especialmente na codificação e na conversão de código legado.

Casos de uso da IA no Banco da Inglaterra: produtividade, supervisão e consultas públicas

Benford ilustra a aplicação prática da IA no BoE com exemplos concretos. Uma ferramenta personalizada está sendo desenvolvida para auxiliar na análise de reuniões, identificando padrões temáticos em grandes volumes de informações. Na área de supervisão, a IA está sendo utilizada para processar grandes quantidades de documentos não estruturados, como relatórios de risco de empresas, gerando resumos e sinalizando áreas para investigação. Outro caso de uso notável foi na análise de 40.000 respostas à consulta pública sobre a moeda digital do banco central, onde técnicas de linguagem natural permitiram uma captura sistemática e eficiente das diversas opiniões. Essa abordagem foi revisada por pares, validando sua confiabilidade para futuras consultas.

IA Agêntica: O Próximo Nível de Personalização e Autonomia

Benford antecipa o surgimento da “IA agêntica” como a próxima onda de inovação. Essa abordagem envolve a personalização de grandes modelos de linguagem para tarefas específicas, aumentando sua confiabilidade para esses fins. Uma vez estabelecida a confiança, esses agentes de IA podem ser sequenciados para automatizar fluxos de trabalho complexos, com o potencial de operar de forma específica e, eventualmente, autônoma. A facilidade de construir agentes personalizados representa uma nova onda de democratização de ferramentas de IA.

Construindo Confiança em Modelos Complexos: Um Desafio Crucial

Um ingrediente fundamental para a adoção generalizada da IA é a capacidade de confiar e depender dos modelos. A complexidade inerente aos grandes modelos de IA representa uma barreira nesse sentido. Benford enfatiza a necessidade de superar esse desafio à medida que o uso da IA se torna mais “agentico”, explorando as circunstâncias em que delegar controle à IA é seguro e quando não é.

Evitando Vieses: O Papel da IA e a Importância da Supervisão Humana

A discussão aborda a questão dos viéses, tanto nos humanos quanto nos modelos de IA. Embora a IA generativa possa analisar um conjunto de dados mais amplo do que um indivíduo ou equipe, ela herda os viéses presentes nos dados em que foi treinada. Benford sublinha a importância de compreender como os modelos são treinados e suas limitações antes de sua implementação, reconhecendo que identificar viéses em modelos de IA complexos é um desafio significativo.

Dados e Modelos: Qual o Motor da Inteligência Financeira?

Questionado sobre a importância relativa de dados e modelos, Benford cita dois princípios fundamentais: “o passado não é um guia definitivo para o futuro” (em relação aos dados) e “todos os modelos estão errados, alguns são úteis” (em relação aos modelos). Ele argumenta que ambos têm potencial para falhas e que um não existe sem o outro. No entanto, se forçado a escolher, ele priorizaria os dados, dada sua inclinação empírica.

O Elemento Humano: O Julgamento como Pilar Insubstituível na Tomada de Decisão

Benford expande sua resposta, enfatizando o papel crucial do “humano no circuito” ou, em termos mais simples, o julgamento baseado na experiência. Para ele, o julgamento não deriva de modelos ou dados, mas é um componente essencial e insubstituível na tomada de decisões.

A Visão do BoE sobre a Adoção de IA no Setor Financeiro Privado

A perspectiva única do Banco da Inglaterra permite uma visão panorâmica da adoção de IA no setor financeiro mais amplo. Benford compartilha os resultados de pesquisas regulares, indicando um aumento constante no uso de IA e aprendizado de máquina pelas empresas financeiras, com projeções de crescimento contínuo. As aplicações atuais concentram-se principalmente em sistemas internos de risco, segurança cibernética, controles de combate à lavagem de dinheiro e análise de dados. Há também um foco crescente na IA como ferramenta de produtividade e eficiência.

IA e Eficiência de Mercado: Uma Lâmina de Dois Gumes?

A conversa explora as implicações do uso generalizado de IA para a eficiência dos mercados. Benford pondera que o aumento da disponibilidade de dados e de ferramentas poderosas de processamento deve, em teoria, tornar os mercados mais eficientes na precificação da informação. No entanto, ele ressalta um risco levantado por um colega do BoE: se todos utilizarem os mesmos dados e modelos, pode haver uma menor dispersão de opiniões nos mercados, tornando-os mais frágeis e suscetíveis a choques, especialmente em cenários não previstos pelos modelos. Essa dinâmica reforça a necessidade contínua do julgamento humano. Outro desafio crucial é a falta de metodologias robustas para testar a resiliência dos sistemas de IA em diferentes cenários.

O Investidor Não Institucional na Era da IA: Democratização ou Risco de Pensamento de Grupo?

A crescente participação de investidores não institucionais nos mercados, impulsionada pelo acesso facilitado a dados online e ferramentas de IA, levanta questões sobre a eficiência do mercado e o risco de “pensamento de grupo”. Embora a IA possa capacitar esses investidores com mais informações, a amplificação de certas vozes e o uso generalizado de conjuntos de dados e modelos específicos podem levar a uma menor diversidade de opiniões, potencialmente criando bolhas e vulnerabilidades nos mercados. A analogia da IA como uma “mente coletiva” que forma um consenso é novamente evocada, com o lembrete de que o incentivo financeiro para identificar erros nesse consenso é fundamental para a correção do mercado, reforçando o papel do julgamento humano.

O Futuro da IA nas Finanças: Inovação, Sustentabilidade e Ética

Olhando para o futuro, Benford enfatiza que ainda estamos nos estágios iniciais da revolução da IA nas finanças. A inovação nos modelos continua em ritmo acelerado, e a adoção dessa tecnologia ainda está em suas fases iniciais. Uma questão fundamental é como extrair valor dessa inovação, tanto em termos de eficiência quanto em outras áreas. A mudança do trabalho humano para as máquinas também levanta questões de sustentabilidade energética e o futuro do trabalho, embora a história sugira que o progresso tecnológico tende a aprimorar as capacidades humanas a longo prazo. Um aspecto cada vez mais importante é a ética da IA e dos dados, dada a capacidade dos modelos de impactar um número crescente de pessoas de maneiras complexas. O BoE está dando grande atenção a essa área, desenvolvendo políticas de ética de dados e IA, e antecipa o surgimento de novas funções focadas em garantir a segurança, a justiça e a equidade no uso da IA.

Conclusão

A conversa entre Eloise Goulder e James Benford oferece uma visão fascinante do papel crescente da IA e dos dados no setor financeiro, com o Banco da Inglaterra na vanguarda dessa transformação. Embora o potencial da IA para aumentar a eficiência, desafiar o pensamento e democratizar a análise seja inegável, a importância do julgamento humano, a necessidade de construir confiança em modelos complexos e as considerações éticas emergentes permanecem cruciais. À medida que avançamos na “revolução da IA generativa”, o equilíbrio entre a capacidade da máquina e a expertise humana será fundamental para moldar um futuro financeiro mais eficiente, estável e ético.

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