Em um artigo perspicaz publicado em sua página do LinkedIn, o renomado professor de finanças da NYU Stern School of Business, Aswath Damodaran, oferece uma análise detalhada e acessível sobre a recente turbulência nos mercados financeiros globais, desencadeada pelo anúncio inesperado de novas tarifas.
Damodaran relata que estava a caminho de uma viagem à América Latina na noite de quarta-feira, 2 de abril, quando a notícia das tarifas veio à tona. Para ele, como para muitos ao redor do mundo, a amplitude e a magnitude dessas taxas de importação foram uma surpresa, especialmente após um período em que os mercados pareciam estar se estabilizando. A reação imediata foi clara: uma correção significativa nos preços dos ativos era iminente.
De fato, na quinta e sexta-feira seguintes, as principais bolsas de valores americanas, como o Dow Jones (que representa 30 grandes empresas), o S&P 500 (as 500 maiores empresas) e o NASDAQ (focado em tecnologia), sofreram quedas acentuadas, chegando a quase 10% de desvalorização em apenas dois dias.
O que são tarifas e por que a reação foi tão forte?
Tarifas são como impostos extras cobrados sobre produtos importados. Elas podem ser usadas para proteger a indústria nacional, tornando os produtos estrangeiros mais caros, ou como ferramenta de pressão econômica entre países.
Segundo Damodaran, a forte reação dos mercados se deveu principalmente à inesperada abrangência e impacto das tarifas. Não se tratava de medidas isoladas, mas de uma ação que afetou um grande número de países e setores.
Outro ponto crucial, destacado pelo professor, é a base para o cálculo dessas tarifas. Diferentemente de tarifas retaliatórias (onde um país responde às tarifas de outro com suas próprias taxas), estas parecem estar ligadas ao tamanho do déficit comercial dos Estados Unidos com cada nação. Imagine que os EUA compram muito mais produtos da China do que vendem para lá. Esse desequilíbrio, o déficit, parece ser o principal fator para definir a altura da tarifa.
Essa metodologia é problemática porque dificulta negociações tradicionais. Normalmente, países podem oferecer reduzir suas próprias tarifas para chegar a um acordo. Mas se a tarifa americana se baseia no déficit comercial, e não nas tarifas de outros, essa estratégia pode não funcionar.
O impacto global nas bolsas de valores
A turbulência não se limitou aos Estados Unidos. Damodaran aponta que a queda foi global. A região da Ásia Menor (excluindo grandes mercados como Índia, China e Japão) foi a mais atingida, com uma queda de mais de 12% no valor das ações em uma semana. As ações americanas, em termos de valor em dólar, lideraram as perdas, com uma redução de US$ 5,3 trilhões.
Curiosamente, China e Índia mostraram maior resiliência, possivelmente devido ao tamanho de seus próprios mercados internos, que podem sustentá-los em meio a tensões comerciais. Além disso, a diferença de fuso horário fez com que seus mercados fechassem antes da forte queda que ocorreu em Wall Street na sexta-feira.
Ao analisar os setores dentro dos EUA, o de tecnologia foi o mais prejudicado. Já setores considerados mais defensivos, como bens de consumo básico (alimentos, higiene) e serviços de utilidade pública (energia, água), sofreram quedas menores. As ações de empresas de energia foram as que mais caíram percentualmente, impactadas pela queda nos preços do petróleo.
A busca por segurança em tempos de crise?
Em momentos de incerteza, investidores tendem a buscar ativos mais seguros, como títulos do governo. Damodaran investigou se esse movimento ocorreu. Ao analisar as ações americanas por diferentes métricas, como a relação entre lucro e preço (um indicador de valorização), ele observou que as ações consideradas mais caras foram as que mais caíram, o que sugere alguma busca por segurança.
No entanto, ao analisar o endividamento das empresas, o resultado foi o oposto: empresas com menos dívida tiveram um desempenho pior. A análise de empresas que pagam dividendos (uma parte do lucro distribuída aos acionistas) mostrou que elas caíram menos, mas empresas que recompraram suas próprias ações (o que pode inflacionar o preço das ações restantes) tiveram um desempenho inferior.
Outros mercados reagem à incerteza
Assim como as bolsas de valores, outros mercados também sentiram o impacto. As taxas dos títulos do Tesouro americano, considerados um dos investimentos mais seguros do mundo, continuaram a cair, indicando uma possível busca por proteção por parte dos investidores.
No mercado de commodities, o preço do petróleo recuou. Já o ouro, tradicionalmente visto como um “porto seguro” em tempos de crise, e o Bitcoin, uma criptomoeda que alguns consideram o “ouro digital” moderno, se mantiveram relativamente estáveis. Para os entusiastas do Bitcoin, essa estabilidade é um sinal positivo, já que em outras crises, ele se comportou mais como um ativo de risco.
Em resumo: uma correção, não um pânico generalizado
Damodaran conclui sua análise inicial sugerindo que o que ocorreu na última semana parece ser mais uma correção nos preços das ações do que uma venda de pânico descontrolada. Embora tenha havido alguma venda por medo na sexta-feira, a busca por ativos seguros foi relativamente moderada.
O ciclo das crises e a “crise tarifária”
Para ajudar os leitores a entender o que pode acontecer a seguir, Damodaran explica o ciclo típico de uma crise econômica. Geralmente, começa com um evento desencadeador (neste caso, o anúncio das tarifas), seguido por uma reação imediata nos mercados. Depois, podem ocorrer “choques secundários”, como retaliações comerciais de outros países. Esses eventos afetam a economia real, levando a uma desaceleração ou recessão. A longo prazo, a crise pode mudar as dinâmicas econômicas globais.
O professor compara a situação atual com crises passadas, como a crise financeira de 2008 (desencadeada pela quebra do banco Lehman Brothers) e a crise da COVID-19 em 2020. Em ambas, houve quedas significativas nos mercados e impactos na economia real, embora a velocidade e a natureza da recuperação tenham sido diferentes.
Damodaran levanta a possibilidade de que a “crise tarifária” ainda esteja em seus estágios iniciais, com muitos desdobramentos incertos pela frente. Ele aponta para a possibilidade de retaliações comerciais, desaceleração econômica global e uma reestruturação das alianças econômicas e políticas.
O que fazer agora? A perspectiva do autor
Embora Damodaran não ofereça conselhos de investimento específicos, ele compartilha sua própria abordagem para lidar com a incerteza:
- Monitoramento contínuo: Ele planeja acompanhar de perto indicadores como o prêmio de risco das ações (a diferença entre o retorno esperado das ações e o retorno de um investimento seguro, como títulos do governo) para entender como o mercado está precificando o risco.
- Reavaliação de investimentos: Ele pretende reavaliar as empresas em sua carteira, considerando o possível impacto das tarifas em seus valores.
- Buscar valor: Ele estará atento a oportunidades de comprar ações de boas empresas que se tornarem significativamente desvalorizadas devido à crise.
- Manter a calma: Damodaran enfatiza a importância de não se deixar levar pelo pânico e de manter uma perspectiva de longo prazo.
Em sua conclusão, Aswath Damodaran espera que os leitores encontrem seu próprio caminho para a serenidade em meio à volatilidade do mercado e que as decisões tomadas em relação aos seus investimentos permitam que “durmam tranquilos”.